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terça-feira, 29 de julho de 2014

Literatura Iletrada - "O Filho de Odin" - 1ª parte

Eu estou chocado, caros leitores, muito chocado. Há já algum tempo que eu tenho pensado em escrever este post dedicado a um dos piores livros que alguma vez li, mas a dúvida se o deveria fazer invadia-me constantemente. Contudo, a minha vontade de achincalhar este pedaço de excremento literário sobrepôs-se às minhas dúvidas, e com isso planeio dissecar e esquartejar com toda a minha fúria o livro citado no título.
Contudo, o motivo do meu choque não está apenas no livro em causa, embora esse seja o primeiro motivo. Lá nos idos de 2011, quando o The Writer's Lair ainda mal passava de um recém-nascido no mundo da Internet, surgiu uma rubrica que tinha o objectivo de "atacar" todas as peças literárias que manchavam o bom nome da literatura. Fossem más histórias, desrespeito profundo pela Língua Portuguesa, cá estávamos para apontar o dedo e mostrar o quão maus esses livros eram. A ideia não passou do primeiro livro (cuja crítica literária nunca foi terminada, ainda), mas isso não significava que a rubrica estava morta antes sequer de ter nascido. Já diz o ditado: "antes tarde que nunca.," e após um hiato de três anos, esta rubrica está de volta e desta vez bem escrita.
Sim, bem escrita, porque o segundo motivo do meu choque está na minha enorme ignorância. Queria eu armar-me em grande entendedor da Língua Portuguesa e acabei por dar um tiro no meu próprio pé. Que credibilidade tenho eu em criticar uma obra literária e apontar todos os defeitos e problemas na escrita quando eu mesmo sou incapaz de escrever "Iletrada" como deve ser? Sim, porque na minha presunçosa imbecilidade eu escrevi não um, não dois, mas três posts desta rubrica e chamei-lhe "Literatura ILITERADA." ILITERADA? Que moral mais falsa eu tinha naquela altura. Estava ali eu, um jovem de 23 anos, mostrando aos meus leitores que era muito entendido em literatura e acabo por dar um erro ao nível de um concorrente da Casa dos Segredos (embora eu duvide que algum deles conheça o significado da palavra "iletrado", mesmo todos eles o sendo). Como poderei recuperar a minha credibilidade? Como conseguirei fazer com que este post seja lido por muita gente quando os meus erros do passado vão lançar sobre os meus leitores um véu de incerteza que provavelmente os vai levar a não querer ler esta publicação. Como é que...

Ok, ok...
Bem, vamos então começar com isto.
"O Filho de Odin." Se há expressão que defina este livro, essa expressão é, sem dúvida nenhuma, "matéria excrementícia." Há muito tempo que não lia algo tão mau, e embora "Inocentemente Eu" seja uma leitura chata, incrivelmente mal escrita, irrealista e presunçosa (entre outros adjectivos e definições), o que é certo é que esse livro em nada bate "O Filho de Odin" em termos de divertimento. Oh sim. Ambos os livros são do mais puro desrespeito para com a Língua Portuguesa e completos abortos literários que nunca deviam ter visto a luz do dia.

A expressão "escolhe com sabedoria" não se aplica neste caso.
Contudo, se o meu objectivo é o mais puro divertimento, misturado com algumas doses da mais pura raiva, então "O Filho de Odin" é a escolha certa. Foi escrito pelo "prodígio" João Zuzarte Reis Piedade, um jovem que tão pretensiosamente mostra possuir muitas qualidades mas que insiste naquela na qual não presta para nada. Se lermos a badana do livro, encontramos "interessantíssimas" informações sobre este autor:

"Estuda Teatro, Línguas, Literaturas e História."

Ainda mal começámos com a história do livro e já estou a apanhar com problemas que mais tarde vão ser endereçados durante a crítica a este monumento à iliteracia. Reparem que ele estuda Línguas e Literaturas. Lembrem-se bem disso.

"Passa grande parte do seu tempo a escrever, mas nunca trabalha sem música."

E eu que julgava que grande parte do seu tempo era passado a estudar Teatro, Línguas, Literaturas e História, para além das outras actividades que serão referidas daqui a pouco. Isso explica porque é que há uns anos, quando este jovenzinho foi com a mãe a um programa de televisão, a senhora (que já era bastante conhecida e que até falou mais que o próprio Zuzarte, mesmo sabendo que toda a entrevista era sobre o livro dele) lembrou-se de dizer que o Zuzarte não é tão bom aluno como o outro filho.


"Heavy Metal, Rock sinfónico, Power Metal ou Dragonforce marcam o ritmo."

Ao menos o miúdo tem gosto quanto a música.

"Ideias fervilhantes povoam-lhe o imaginário. Partilha-as através da escrita."






*Rebola no chão de tanto rir*
Bem, ainda nem virei a página e já encontro motivo para me "esbardalhar" a rir com tamanha mentira. Agora é que eu quase que estou tentado a dizer que quem escreveu isto até foi o próprio Zuzarte, mas não o vou fazer... Até porque já o fiz...

"O ginásio e as artes marciais que pratica têm uma missão: quer ser reconhecido como um escritor da nova era, jovem e imprevisível."

Ok, o que é que eu acabei de ler aqui? Isto não faz o mínimo sentido. Como é que o ginásio e as artes marciais o vão tornar num escritor da nova era? Será que quanto mais pesados forem os halteres melhor escritor se torna? E já que ele estuda Teatro, Línguas, Literaturas e História, e ainda vai ao ginásio e ainda pratica artes marciais (no plural, o que significa que gasta tempo a praticar mais do que uma), COMO RAIO ELE PASSA A MAIOR PARTE DO TEMPO A ESCREVER? Alguém que me explique isso? É que lá porque ele não respeita as regras da Língua Portuguesa, não significa que ele consiga desafiar as leis do tempo e aumentar o número de horas do dia. E qual é a ideia do "imprevisível"? Em parte é verdade porque há coisas neste livro que surgem do nada e não fazem sentido absolutamente nenhum. Por outro lado, esta história está tão pejada de clichés e de plágio que o termo "imprevisível" acaba por ter menos valor que uma moeda de um cêntimo.

"Domina a Língua Portuguesa, Inglesa, Alemã, Francesa, Espanhola, Italiana e Dinamarquesa. Fala também a Língua Negra do seu livro."

Bem, temos aqui um poliglota. Alguém lhe devia dizer que conhecer o básico de cada uma destas línguas não é o mesmo que dominá-las. Mais uma vez, lembrem-se bem desta informação, vai ser útil lá mais para a frente.
Já agora, a Língua Negra, que ele tão orgulhosamente diz que fala, NUNCA é referida em todo o livro! Valham-me os céus, é como se o Zuzarte quisesse mostrar que é um grande entendido em línguas ao fazer referência a um idioma e a afirmar que o domina sem sequer nos dar a honra de nos presentear com algumas palavras, um pequeno guia básico de pronunciação, algumas regras gramaticais. Apenas fala a Língua Negra... e é tudo. Vai aldrabar para outro lado, Zuzarte!

"Deseja lançar muitos livros de forma a incitar o público mais jovem a ler."

Com um nível de escrita como o teu, não seria de admirar que cada vez menos jovens lessem livros.

"Mais tarde, escrever, realizar e dirigir o filme do seu livro."

Sim, é como a frase está escrita, sem qualquer sujeito. E eu que julgava que realizar e dirigir um filme eram a mesma coisa. Claramente não estou preparado para a grande capacidade literária deste prodígio.
Bem, tirando a data de nascimento e onde ele estudou, tudo o resto supracitado foi publicado numa das badanas da capa. Na outra badana temos a sinopse do livro.

"Cruzando lendas e superstições, Jonathan, um jovem paladino de quinze anos, inadvertidamente, abre a porta para uma dimensão intemporal e mitológica, entrando no glorioso mundo dos deuses."

E é nesta parte em que, depois de ter lido o livro, apetece-me arrastar o Zuzarte pelas orelhas até uma estrebaria e forçá-lo a recolher dejectos de cavalo com cada uma das páginas desta porcaria de livro até ele aprender a não ser tão mentiroso. Jonathan, o suposto herói da história, não abre nenhuma porta para outra dimensão. Tudo o que acontece no livro, toda a mitologia, criaturas, deuses, está no nosso mundo, como se o planeta Terra se tivesse tornado na própria dimensão intemporal e mitológica.

"Recebe de Odin, pai dos deuses nórdicos, a missão de destruir o mal que se espalha por toda a Europa. Encarnando a figura de Vidar, filho de Odin, Jonathan conduz-nos por locais misteriosos..."

Outra mentira. Jonathan apenas nos leva por cidades conhecidas da Europa e o Zuzarte falha redondamente em fazer uma descrição minimamente aceitável das mesmas.

"...enevoados, desprovidos de vida ou imensamente povoados de criaturas ameaçadoras..."

A maior parte das vezes, as criaturas ameaçadoras é que invadem os locais onde ele se encontra. Mais uma mentira. Vou ter de instalar um Contador de Mentiras nesta rubrica?

"...sempre na demanda do Senhor do Mal, o Conde Drácula."

E aqui está, senhoras e senhores, a imprevisibilidade deste jovem "escritor." O grande mal que assola a nossa Europa não é nada mais nada menos que um dos vilões mais clichés de sempre. Onde está a originalidade deste jovem prodígio, meus senhores?

Isto é o que acontece a quem espera por alguma originalidade
da parte de algum trabalho vindo do Zuzarte.
Mas antes de abrir o livro e mergulhar na matéria excrementícia que fede a cada página, há-que ver o que é dito na contra-capa. Que os céus nos acudam, isto é o que eu mais odeio num livro: três figuras públicas a elogiar o "magnífico" trabalho deste imberbe plagiador e desrespeitador da nossa Língua Portuguesa. Três figuras públicas que nos tentam lançar areia para os olhos ao mostrar que estão impressionados com a escrita dele, quando nem devem sequer ter lido uma página que seja do livro. Ruy de Carvalho escreve uma excelente dedicatória, devo admiti-lo, no entanto sem mostrar que leu o trabalho do Zuzarte, o que chega a ser triste.
Rui Veloso apenas mostra a sua admiração por um jovem de 14 anos ter escrito um livro. Nem é caso para tanto, Rui. Se fizeres uma pesquisa rápida, vais reparar que houve vários autores mais jovens que também escreveram e lançaram livros. Daisy Ashford, por exemplo, escreveu o The Young Visitors com 9 anos. Flavia Bujor escreveu "A Profecia das Pedras" com 12 anos. E isto são apenas dois exemplos entre vários. Mas mesmo assim, e tal como na dedicatória do Ruy de Carvalho, Rui Veloso mostra que também não deve ter passado os olhos por uma frase que fosse do livro, já que ele diz que o Zuzarte "estudou, trabalhou e aplicou-se horas sem fim." O que, julgando pela qualidade deste excremento literário, não houve qualquer estudo ou trabalho.
Por fim, temos Pedro Granger, o único dos três que parece que leu o livro e o único dos três que talvez devesse melhorar os seus hábitos de leitura, embora não possamos esperar outra coisa de alguém que caracteriza a escrita do Zuzarte como "FABULÁSTICO!" Claramente o Sr. Granger nunca leu uma obra fantástica em toda a sua vida, ou saberia que nenhum dos seres fantásticos e personagens são claramente produto da imaginação defeituosa do Zuzarte.
No fim de contas, "O Filho de Odin" não passa de uma fraca tentativa de deixar marca no mundo literário, e que tal nunca seria possível se Zuzarte não fosse filho de quem é. Claramente a publicação deste livro passou por cima de todos os processos que tornam a publicação possível, entre esses processos a revisão do texto e a correcção de erros. "O Filho de Odin" é o produto de um jovem que viu o seu sonho realizado antes mesmo de poder reflectir nas consequências do que a sua escrita poderia trazer. Muitos jovens de 14 anos sonham em escrever e publicar um livro e não têm a mesma oportunidade. Mas talvez seja pelo melhor, porque com a idade e o trabalho duro vem a experiência e o aperfeiçoamento do nosso trabalho. Zuzarte não teve direito a isso. Os seus papás viram-no a defecar a primeira carrada de infantilidades e sonhos molhados e (sem compreenderem o que raio estava ele a escrever, ou provavelmente porque percebem ainda menos de literatura do que ele) decidiram que havia ali um prodígio a ser revelado ao mundo. E em vez de nos surgir um excelente escritor, com novas ideias e a imprevisibilidade referida na badana, aparece-nos um jovem cujo ego foi absurdamente alimentado pela ignorância de gente que se serviu da sua posição social para "atropelar" outros excelentes autores que gostariam de ter as suas obras publicadas depois de muitas horas de trabalho e dedicação (muito mais que o próprio Zuzarte). Um jovem cuja arrogância ainda cheira pior que a porcaria que escreve, um petiz que acredita ser o salvador de uma faixa etária que dedica cada vez menos tempo à leitura, mas que só está a contribuir para o mau nome da literatura portuguesa. Este livro é um exemplo daquilo que nunca se deve fazer, e o Zuzarte tornou-se num exemplo vivo de um autor que não foi bem acompanhado e que se julgou um Messias da literatura devido a mentes ainda mais ignorantes que a dele. Temos, portanto, um Christopher Paolini português.

Vejam bem o que é que o poder das cunhas faz.
Tenho pena de ti, Zuzarte. Muita pena mesmo.

terça-feira, 8 de julho de 2014

Maleficent

Maleficent, a Fada Boa.
E assim nasce a primeira contradição do filme.
Há coisas que me deixam triste e ao mesmo tempo revoltado. Uma dessas coisas é o facto de que quando comecei a pesquisar por imagens para auxiliar nesta crítica, a página proliferava de cenas referentes a este filme, ao invés de me encantar o olhar com imagens do clássico de 1959. Outra é mesmo o facto de este filme existir.
Ontem foi dia de enfrentar o inevitável e com isto juntei-me à minha namorada numa das mais pequenas salas de cinema do Parque Nascente, sentando-me nos confortáveis assentos, para cerca de duas horas depois me levantar com tamanho sentimento de revolta perante o notório desrespeito para com um dos clássicos mais amados pelos fãs da Disney. Eu já estava preparado para odiar este filme, as minhas expectativas diminuíam a cada degrau da sala de cinema que subia, mas mesmo assim tentei clarear a minha mente, pensando para mim mesmo: "Isto não deve ser assim tão mau. Não vai ser um filme bom, mas ao menos deve dar para entreter um pouco." E a cada cena que passa mais eu me enganava.
Tudo neste filme, e repito, TUDO, está errado. Maleficent não é só um filme mau: é um desrespeito ao conceito original, uma violação da história adaptada há mais de meio século. O filme já começa de maneira errada, contando a história de como Maleficent conheceu um rapaz chamado Stefan, e dessa amizade surgiu um improvável amor. Até que um dia, o rei do reino vizinho decide atacar (sem qualquer razão válida) os bosques onde Maleficent vive em paz com as criaturas fantásticas. O rei acaba por ficar gravemente ferido em batalha e promete entregar o seu reino àquele que conseguir matar Maleficent. Stefan encontra-se com o seu antigo amor e convence-a que não lhe quer mal. Mas quando a fada adormece, Stefan arranca-lhe as asas e oferece ao rei como prova de que a matou.

Ainda íamos em 10 minutos de filme e já eu fazia esta cara.
Será que eu preciso de enumerar os problemas que há só neste bocadinho de filme? Por que é que uma fada amigável, amada por todos, tem um nome tão diabólico? Por que é que o rei anterior atacou a floresta de Maleficent, que nada fez para o chatear? Por que é que o Stefan não ficou do lado dela e tentou criar uma aliança entre os dois territórios? Por que é que depois de ter perdido as asas, a Maleficent não invocou logo o seu exército de criaturas fantásticas e atacou o reino? Por que é que eu me sujeitei a isto?
E isto é apenas o fundo de um garrafão de problemas que este filme tem. Não tarda para que o filme invoque o clássico de 1959 com a cena do baptizado da pequena Aurora. E mais uma vez as perguntas desabaram em cima de mim a partir do momento em que vi as três fadas.

AAAHHH, KILL THEM WITH FIRE!
KILL THEM WITH FIRE!!!
Ok, é estabelecido ao início que as três fadas viviam no bosque onde Maleficent governava, e todas eram grandes amigas. Por que carga de água então elas foram ao baptizado da Aurora? Não deveriam estar ressentidas com o agora rei Stefan por este ter traído a líder delas? Por que é que a narradora do filme referiu que as três fadas estavam a tentar fomentar a paz entre os dois territórios se o rei não queria saber nada disso? Estão a ver: não faz qualquer sentido. A história foi escrita de uma forma tal, que quando tentar encadear este filme com o clássico, acabam por criar tamanhos buracos na história que quase conseguimos ver através dos falsos efeitos por computador.
Claro que, como no original, duas das três fadas concedem à menina os típicos dons, e quando a terceira está prestes a conceder o seu, eis que surge Maleficent. Aqui, o diálogo é quase idêntico ao do clássico... Excepto quando a "vilã" começa a amaldiçoar a bebé. E, caros leitores, aqui foi a gota de água. Não interessa o quão o filme podia piorar (porque piora, e muito), esta cena destrói por completo todas as esperanças de redenção do filme. Nesta versão, a maldição estabelece que de facto no 16º aniversário de Aurora, ela vai picar o dedo no fuso de uma roca... mas a irá colocar num sono semelhante à morte.


A sério? Já chegámos a este ponto? A mesma companhia que nos pôs a derreter em lágrimas com a morte do Mufasa, que nos deprimiu quando a mãe do Bambi foi abatida, que nos horrorizou quando o Ray foi pisado pelo Dr. Facilier, decide não chocar audiências ao dizer que a Aurora vai morrer quando picar o dedo? É preciso mesmo vir com a treta do "sono semelhante à morte"? É que, caso não saibam, quando uma pessoa está morta, ela tem praticamente a mesma expressão como se estivesse a dormir profundamente, excepto pelo facto de já não respirar. E como se não bastasse, ainda tinham de piorar a cena. Pressionado por Maleficent, Stefan implora que esta poupe a sua filha, e a fada decide então decretar que a maldição podia ser quebrada com um beijo de amor verdadeiro.


Para quem não teve ainda oportunidade de ver o filme original, Maleficent NUNCA decreta tal coisa na sua maldição! Quem é o faz é a fada Merryweather (cujo nome neste filme é completamente diferente, sabe-se lá porquê) que, não conseguindo quebrar a maldição de Maleficent, consegue modificá-la para que a menina não morra mas caia num sono profundo do qual só o beijo do verdadeiro amor a poderá acordar. Claro que, sendo a Maleficent a manobrar a sua maldição a esse ponto, o desejo da terceira fada nem sequer é proferido neste filme.
E falando nas três fadas: aquilo que as fez fenomenais no filme original pareceu ter-se perdido no tempo. Elas nesta adaptação não passam de profundas incompetentes. Não sabem cuidar da Aurora e fazem um péssimo trabalho em tentar escondê-la da Maleficent durante os 16 anos em que ficaram com ela. Aliás, a própria Maleficent, que supostamente deseja mal à menina, é muito melhor babysitter que as três fadas.

Contemplem-me, a Rainha de todo o Mal... e babysitter em part-time.
Sim, nesta decadente versão, Aurora conhece Maleficent desde o início e as duas desenvolvem uma boa relação, com a rapariguita a acreditar que a "vilã" é a sua fada madrinha. E como se não bastasse a avalanche de traições ao original, eis que Maleficent se lembra de tentar quebrar a maldição, sem o conseguir...
Eu não consigo descrever o enredo sem me interromper com perguntas e questionar o porquê de terem feito tamanha atrocidade. Ignorando o facto de Maleficent querer remover a maldição (isso ainda me faz arrancar cabelos), por que raio ela não o consegue fazer? Se ela tentou é porque acreditava que a conseguia remover, e não me venham com desculpas que "só um beijo de amor verdadeiro é que quebra a maldição", porque se isso fosse verdade, Maleficent nem tinha tentado quebrá-la. Estão a ver a quantidade de inconsistências neste enredo?
E o que dizer do Príncipe Philip? Da forma como a história estava a desenrolar-se, eu já não acreditava que ele fosse aparecer. Mas eis que o filme surpreende-me ao colocá-lo no filme e ele NÃO FAZER ABSOLUTAMENTE NADA! Ele é ainda mais inútil que as três fadas, nem em meia dúzia de cenas apareceu e depois de ter servido o propósito de encher chouriços, só volta a surgir no fim, para nos lembrar que ele também entrou. Nada a ver com a versão original, em que Philip é capturado por Maleficent, libertado pelas três fadas, enfrentando depois a vilã num epic showdown que ainda hoje é recordado.
Mas não nos estamos a esquecer do principal? Aurora de facto pica o dedo no fuso da roca e cai no seu sono profundo... enquanto Maleficent corre para o castelo com um adormecido Philip para que ele pudesse quebrar a maldição com um beijo que sinceramente ninguém deve ter acreditado que ia funcionar.

É impressão minha ou a Elle Fanning é melhor atriz a dormir?
E depois vem o atroz momento em que a própria Maleficent quebra a maldição ao beijar a testa de Aurora.


Já não bastava violarem esta história com a força de um brutamontes presidiário, ainda tinham de destruir por completo o momento mais belo e mais gratificante de todo o filme original da Disney? Estão contentes por arruinarem por completo meio século de um clássico que encantou milhões de pessoas em todo o mundo? Estão felizes por terem transformado a Maleficent, a Rainha de todo o Mal, a vilã mais intimidante que a Disney já criou, numa fada atormentada, digna de pena e com um bom coração? Já não podem existir vilões como dantes, com uma alma marcada pelas puras trevas e que são maus simplesmente por gostarem de assim ser?
Já estava com mais que vontade de desaparecer do cinema a barafustar aos quatro ventos, mais o clímax estava a chegar. O rei Stefan ataca Maleficent e esta, num acto de desespero, decide transformar o seu fiel corvo (que para além de mudar o nome de Diablo para Diaval (raios partam o politicamente correcto!), ainda o transforma num ser humano) num dragão. Será que eu tenho que lembrar (já que, ao contrário dos responsáveis por esta bodega, eu vi o filme original) que no original de 1959, é a própria Maleficent quem se transforma num dragão, invocando os PODERES DO INFERNO? Ainda preciso de salientar o quão maléfica ela é? E o quanto nós a adoramos por ser assim?
Claro que Maleficent recupera as asas e ela e o rei Stefan enfrentam-se numa luta que termina com este a morrer da mais comum morte que a Disney costuma atribuir aos seus vilões: queda de um lugar alto. Pelos vistos a morte do pai não afecta Aurora, que decide viver com Maleficent, as fadas e o Príncipe Philip no bosque. E tudo acaba bem... Excepto para quem detestou este filme.

Acima: eu depois do filme.
Este filme tem cerca de hora e meia, mas foi uma tortura ruminante do início ao fim. A história está cheia de problemas, as personagens são desinteressantes, as fadas e o príncipe não acrescentam absolutamente nada à história e o conceito de passar o testemunho de vilanía da Maleficent para o rei Stefan foi um enorme desrespeito para com o filme original e uma completa defecação numa vilã que nós tão bem apreciamos. Maleficent não passa de uma reles tentativa de lucrar com um clássico, enquanto tenta contar uma história sob um ponto de vista diferente e ainda por cima tentando tornar a Rainha de todo o Mal na heroína da história, como se se estivessem a redimir de algum erro que tivessem cometido na versão de 1959. E é a isto que chegamos: um ponto em que já não é permitido haver vilões a sério (não me venham dizer que o rei Stefan é um vilão a sério porque eu não fiquei intimidado com uma personagem com um sotaque tão horrível e uma performance atroz vinda do próprio actor). Já não querem ensinar o conceito de que o Mal puro existe e que nem todas as pessoas têm um lado bom. Querem suavizar a linguagem, evitando que uma personagem bonitinha seja amaldiçoada com a morte. Querem esconder o conceito do Mal e da morte das crianças, dois conceitos que são tão reais como os seus opostos, que tanto querem incutir à força nas mentes dos petizes, quando introduzi-las nesses mesmos conceitos vai fazê-las ter a compreensão da realidade e mais facilmente conseguirão lidar com os mesmos no futuro. E é nisso que este filme falha. É certo que Sleeping Beauty não é um filme perfeito (e há coisas que também não fazem muito sentido), mas é mesmo que ensina que o Mal existe e pode deitar-nos ao chão se não o soubermos combater. É por isso que o final é muito mais gratificante: o Príncipe Philip enfrenta a Rainha de todo o Mal e vence-a, conseguindo abrir caminho para a sua felicidade e a de Aurora. Maleficent, infelizmente, falha em perceber isso, e agora este filme vai entrar para os anais da História como a maior traição que a Disney alguma vez se atreveu a cometer.