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terça-feira, 8 de julho de 2014

Maleficent

Maleficent, a Fada Boa.
E assim nasce a primeira contradição do filme.
Há coisas que me deixam triste e ao mesmo tempo revoltado. Uma dessas coisas é o facto de que quando comecei a pesquisar por imagens para auxiliar nesta crítica, a página proliferava de cenas referentes a este filme, ao invés de me encantar o olhar com imagens do clássico de 1959. Outra é mesmo o facto de este filme existir.
Ontem foi dia de enfrentar o inevitável e com isto juntei-me à minha namorada numa das mais pequenas salas de cinema do Parque Nascente, sentando-me nos confortáveis assentos, para cerca de duas horas depois me levantar com tamanho sentimento de revolta perante o notório desrespeito para com um dos clássicos mais amados pelos fãs da Disney. Eu já estava preparado para odiar este filme, as minhas expectativas diminuíam a cada degrau da sala de cinema que subia, mas mesmo assim tentei clarear a minha mente, pensando para mim mesmo: "Isto não deve ser assim tão mau. Não vai ser um filme bom, mas ao menos deve dar para entreter um pouco." E a cada cena que passa mais eu me enganava.
Tudo neste filme, e repito, TUDO, está errado. Maleficent não é só um filme mau: é um desrespeito ao conceito original, uma violação da história adaptada há mais de meio século. O filme já começa de maneira errada, contando a história de como Maleficent conheceu um rapaz chamado Stefan, e dessa amizade surgiu um improvável amor. Até que um dia, o rei do reino vizinho decide atacar (sem qualquer razão válida) os bosques onde Maleficent vive em paz com as criaturas fantásticas. O rei acaba por ficar gravemente ferido em batalha e promete entregar o seu reino àquele que conseguir matar Maleficent. Stefan encontra-se com o seu antigo amor e convence-a que não lhe quer mal. Mas quando a fada adormece, Stefan arranca-lhe as asas e oferece ao rei como prova de que a matou.

Ainda íamos em 10 minutos de filme e já eu fazia esta cara.
Será que eu preciso de enumerar os problemas que há só neste bocadinho de filme? Por que é que uma fada amigável, amada por todos, tem um nome tão diabólico? Por que é que o rei anterior atacou a floresta de Maleficent, que nada fez para o chatear? Por que é que o Stefan não ficou do lado dela e tentou criar uma aliança entre os dois territórios? Por que é que depois de ter perdido as asas, a Maleficent não invocou logo o seu exército de criaturas fantásticas e atacou o reino? Por que é que eu me sujeitei a isto?
E isto é apenas o fundo de um garrafão de problemas que este filme tem. Não tarda para que o filme invoque o clássico de 1959 com a cena do baptizado da pequena Aurora. E mais uma vez as perguntas desabaram em cima de mim a partir do momento em que vi as três fadas.

AAAHHH, KILL THEM WITH FIRE!
KILL THEM WITH FIRE!!!
Ok, é estabelecido ao início que as três fadas viviam no bosque onde Maleficent governava, e todas eram grandes amigas. Por que carga de água então elas foram ao baptizado da Aurora? Não deveriam estar ressentidas com o agora rei Stefan por este ter traído a líder delas? Por que é que a narradora do filme referiu que as três fadas estavam a tentar fomentar a paz entre os dois territórios se o rei não queria saber nada disso? Estão a ver: não faz qualquer sentido. A história foi escrita de uma forma tal, que quando tentar encadear este filme com o clássico, acabam por criar tamanhos buracos na história que quase conseguimos ver através dos falsos efeitos por computador.
Claro que, como no original, duas das três fadas concedem à menina os típicos dons, e quando a terceira está prestes a conceder o seu, eis que surge Maleficent. Aqui, o diálogo é quase idêntico ao do clássico... Excepto quando a "vilã" começa a amaldiçoar a bebé. E, caros leitores, aqui foi a gota de água. Não interessa o quão o filme podia piorar (porque piora, e muito), esta cena destrói por completo todas as esperanças de redenção do filme. Nesta versão, a maldição estabelece que de facto no 16º aniversário de Aurora, ela vai picar o dedo no fuso de uma roca... mas a irá colocar num sono semelhante à morte.


A sério? Já chegámos a este ponto? A mesma companhia que nos pôs a derreter em lágrimas com a morte do Mufasa, que nos deprimiu quando a mãe do Bambi foi abatida, que nos horrorizou quando o Ray foi pisado pelo Dr. Facilier, decide não chocar audiências ao dizer que a Aurora vai morrer quando picar o dedo? É preciso mesmo vir com a treta do "sono semelhante à morte"? É que, caso não saibam, quando uma pessoa está morta, ela tem praticamente a mesma expressão como se estivesse a dormir profundamente, excepto pelo facto de já não respirar. E como se não bastasse, ainda tinham de piorar a cena. Pressionado por Maleficent, Stefan implora que esta poupe a sua filha, e a fada decide então decretar que a maldição podia ser quebrada com um beijo de amor verdadeiro.


Para quem não teve ainda oportunidade de ver o filme original, Maleficent NUNCA decreta tal coisa na sua maldição! Quem é o faz é a fada Merryweather (cujo nome neste filme é completamente diferente, sabe-se lá porquê) que, não conseguindo quebrar a maldição de Maleficent, consegue modificá-la para que a menina não morra mas caia num sono profundo do qual só o beijo do verdadeiro amor a poderá acordar. Claro que, sendo a Maleficent a manobrar a sua maldição a esse ponto, o desejo da terceira fada nem sequer é proferido neste filme.
E falando nas três fadas: aquilo que as fez fenomenais no filme original pareceu ter-se perdido no tempo. Elas nesta adaptação não passam de profundas incompetentes. Não sabem cuidar da Aurora e fazem um péssimo trabalho em tentar escondê-la da Maleficent durante os 16 anos em que ficaram com ela. Aliás, a própria Maleficent, que supostamente deseja mal à menina, é muito melhor babysitter que as três fadas.

Contemplem-me, a Rainha de todo o Mal... e babysitter em part-time.
Sim, nesta decadente versão, Aurora conhece Maleficent desde o início e as duas desenvolvem uma boa relação, com a rapariguita a acreditar que a "vilã" é a sua fada madrinha. E como se não bastasse a avalanche de traições ao original, eis que Maleficent se lembra de tentar quebrar a maldição, sem o conseguir...
Eu não consigo descrever o enredo sem me interromper com perguntas e questionar o porquê de terem feito tamanha atrocidade. Ignorando o facto de Maleficent querer remover a maldição (isso ainda me faz arrancar cabelos), por que raio ela não o consegue fazer? Se ela tentou é porque acreditava que a conseguia remover, e não me venham com desculpas que "só um beijo de amor verdadeiro é que quebra a maldição", porque se isso fosse verdade, Maleficent nem tinha tentado quebrá-la. Estão a ver a quantidade de inconsistências neste enredo?
E o que dizer do Príncipe Philip? Da forma como a história estava a desenrolar-se, eu já não acreditava que ele fosse aparecer. Mas eis que o filme surpreende-me ao colocá-lo no filme e ele NÃO FAZER ABSOLUTAMENTE NADA! Ele é ainda mais inútil que as três fadas, nem em meia dúzia de cenas apareceu e depois de ter servido o propósito de encher chouriços, só volta a surgir no fim, para nos lembrar que ele também entrou. Nada a ver com a versão original, em que Philip é capturado por Maleficent, libertado pelas três fadas, enfrentando depois a vilã num epic showdown que ainda hoje é recordado.
Mas não nos estamos a esquecer do principal? Aurora de facto pica o dedo no fuso da roca e cai no seu sono profundo... enquanto Maleficent corre para o castelo com um adormecido Philip para que ele pudesse quebrar a maldição com um beijo que sinceramente ninguém deve ter acreditado que ia funcionar.

É impressão minha ou a Elle Fanning é melhor atriz a dormir?
E depois vem o atroz momento em que a própria Maleficent quebra a maldição ao beijar a testa de Aurora.


Já não bastava violarem esta história com a força de um brutamontes presidiário, ainda tinham de destruir por completo o momento mais belo e mais gratificante de todo o filme original da Disney? Estão contentes por arruinarem por completo meio século de um clássico que encantou milhões de pessoas em todo o mundo? Estão felizes por terem transformado a Maleficent, a Rainha de todo o Mal, a vilã mais intimidante que a Disney já criou, numa fada atormentada, digna de pena e com um bom coração? Já não podem existir vilões como dantes, com uma alma marcada pelas puras trevas e que são maus simplesmente por gostarem de assim ser?
Já estava com mais que vontade de desaparecer do cinema a barafustar aos quatro ventos, mais o clímax estava a chegar. O rei Stefan ataca Maleficent e esta, num acto de desespero, decide transformar o seu fiel corvo (que para além de mudar o nome de Diablo para Diaval (raios partam o politicamente correcto!), ainda o transforma num ser humano) num dragão. Será que eu tenho que lembrar (já que, ao contrário dos responsáveis por esta bodega, eu vi o filme original) que no original de 1959, é a própria Maleficent quem se transforma num dragão, invocando os PODERES DO INFERNO? Ainda preciso de salientar o quão maléfica ela é? E o quanto nós a adoramos por ser assim?
Claro que Maleficent recupera as asas e ela e o rei Stefan enfrentam-se numa luta que termina com este a morrer da mais comum morte que a Disney costuma atribuir aos seus vilões: queda de um lugar alto. Pelos vistos a morte do pai não afecta Aurora, que decide viver com Maleficent, as fadas e o Príncipe Philip no bosque. E tudo acaba bem... Excepto para quem detestou este filme.

Acima: eu depois do filme.
Este filme tem cerca de hora e meia, mas foi uma tortura ruminante do início ao fim. A história está cheia de problemas, as personagens são desinteressantes, as fadas e o príncipe não acrescentam absolutamente nada à história e o conceito de passar o testemunho de vilanía da Maleficent para o rei Stefan foi um enorme desrespeito para com o filme original e uma completa defecação numa vilã que nós tão bem apreciamos. Maleficent não passa de uma reles tentativa de lucrar com um clássico, enquanto tenta contar uma história sob um ponto de vista diferente e ainda por cima tentando tornar a Rainha de todo o Mal na heroína da história, como se se estivessem a redimir de algum erro que tivessem cometido na versão de 1959. E é a isto que chegamos: um ponto em que já não é permitido haver vilões a sério (não me venham dizer que o rei Stefan é um vilão a sério porque eu não fiquei intimidado com uma personagem com um sotaque tão horrível e uma performance atroz vinda do próprio actor). Já não querem ensinar o conceito de que o Mal puro existe e que nem todas as pessoas têm um lado bom. Querem suavizar a linguagem, evitando que uma personagem bonitinha seja amaldiçoada com a morte. Querem esconder o conceito do Mal e da morte das crianças, dois conceitos que são tão reais como os seus opostos, que tanto querem incutir à força nas mentes dos petizes, quando introduzi-las nesses mesmos conceitos vai fazê-las ter a compreensão da realidade e mais facilmente conseguirão lidar com os mesmos no futuro. E é nisso que este filme falha. É certo que Sleeping Beauty não é um filme perfeito (e há coisas que também não fazem muito sentido), mas é mesmo que ensina que o Mal existe e pode deitar-nos ao chão se não o soubermos combater. É por isso que o final é muito mais gratificante: o Príncipe Philip enfrenta a Rainha de todo o Mal e vence-a, conseguindo abrir caminho para a sua felicidade e a de Aurora. Maleficent, infelizmente, falha em perceber isso, e agora este filme vai entrar para os anais da História como a maior traição que a Disney alguma vez se atreveu a cometer.

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