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quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Literatura Iletrada - "As Aparências Iludem" - 1ª parte: "A Loja dos Brinquedos" (1/3)

"Um livro vai para além de um objecto. É um encontro entre duas pessoas através da palavra escrita. É esse encontro entre autores e leitores que a Chiado Editora procura todos os dias, trabalhando cada livro com a dedicação de uma obra única e derradeira, seguindo a máxima pessoana "põe tudo quanto és no mínimo que fazes". Queremos que este livro seja um desafio para si. O nosso desafio é merecer que este livro faça parte da sua vida".


Um desafio? O maior desafio ao ler esta descarga de diarreia literária foi o de virar cada uma das páginas. Cada vez mais me convenço que hoje em dia qualquer bandalho consegue escrever e publicar um livro.
Sim, eu sei que me estou a desviar da "Literatura Iletrada" a'"O Filho de Odin", mas decidi fazer uma pausa para abraçar um projecto novo. Algo que aniquile por completo qualquer resquício de células cerebrais que ainda me restam, devido à minha incursão pelo que de pior a literatura tem para oferecer. Eu bem podia estar a usar o meu tempo para ler obras de renome, polvilhar a minha mente com a mais requintada cultura e vir para este espaço partilhar o quão maravilhado estou com tamanhas pérolas literárias. Mas em vez disso estou a pôr em causa a minha sanidade mental com mediocridade. Um dia hei-de pegar em todos os livros maus que alguma vez li e fazer algo de útil com eles.

A segunda opção é usá-los como acendalhas.
"As Aparências Iludem". E nem imaginam o quanto. Quando este livro me foi passado para as mãos, a primeira impressão que tive foi: "Hmm, nada mau. Capa flexível, uma mensagem algo misteriosa e uma sinopse que diz tudo e ao mesmo tempo não revela nada. Pode ser que não seja assim tão mau". 386 páginas depois e estava a bradar aos céus por tudo o que tinha lido e pelo tempo perdido.

Dava tudo para ter lido o romance de Agatha Christie com o mesmo nome.
Este livro foi escrito por Kevin Palha e lançado em 2013. Nele, temos uma antologia de várias histórias de terror, saídas do imaginário de Kevin. São sete histórias com temas diferentes e até de certo modo interessantes, mas aplicados de uma forma tão horrenda e sádica que é de admirar que este livro tenha conseguido patrocínios. Sim, leram bem. Este livro conta com CINCO patrocinadores, mais do que muitos autores com mais talento alguma vez conseguirão ter. Cada uma destas histórias é-nos entregue de uma forma repugnante, com um português ainda mais atroz que a escrita de Zuzarte (sim, bem mais), e as histórias só podem ser saídas de uma mente perturbada que sente prazer em escrever sobre pedofilia ou mutilação.
Vamos então dissecar este excremento e descobrir quão mau ele é. O primeiro conto chama-se: "A Loja dos Brinquedos".
A história passa-se na América. Tudo começa durante uma visita de estudo de alunos de várias turmas do 1º Ciclo da Escola de Orrington a uma fábrica de café em Clenberg.

"Dessas turmas destacam-se seis crianças:

- Os irmãos Bobby e Morgana Caulfield, de 7 e 4 anos;
- Liam Wright de 9 anos;
- Justin Corrigan de 8 anos;
- Veronica Zittel de 6 anos e meio;
- Cherry Lloyd de 6 anos."

Ora bem, alguém devia dizer ao Kevin que não é assim que se escreve uma história. Infelizmente (e para arrumar com este assunto de uma vez), ele usa este método no início de algumas destas histórias para apresentar algumas das personagens intervenientes. Só que tal método podia ser evitado, e as personagens bem que podiam ser apresentadas narrativamente, sem ser preciso o recurso a uma lista. Isto num filme ou série não ficaria mal, mas num livro é completamente desnecessário e foge àquilo que uma história literária é.
As turmas param no Jardim das Flores para almoçar. Os nossos protagonistas, Bobby e Morgana mostram um ao outro o que a mãe lhes fez para o almoço.

"- O que é que a mamã te fez? - Perguntou Morgana.
- Fez-me uma sandes de frango e uma sandes de presunto. - Respondeu Bobby."

Logo uma sande de presunto? Ah, carago, o típico almoço americano, preparado a pensar nas jovens mentes de amanhã. Bem, se para um puto de 7 anos vamos levar com um repasto desta categoria, ainda estou para ver o que é que a irmã recebeu da mãe.

" - (Morgana) A mim preparou-me uma sandes de ovo."

Só isso? A miúda está a crescer e a mãe só lhe faz uma mísera de uma sande de ovo?

"Bobby pediu o sumo à irmã e bebeu. Mas logo cuspiu para a relva, pois o que estava na garrafa não era sumo... era urina."

Eh pá, ainda mal comecei e já estou enojado. Eu sei que os miúdos são cruéis, mas daí urinar-lhe para a garrafa do sumo...
Isto é algo muito comum nos contos de Kevin Palha. Quando uma personagem é má, quaisquer limites de moralidade são completamente inexistentes. Mesmo uma criança com menos de 10 anos é capaz de matar. Por outro lado, as personagens boas são demasiado bondosas e inocentes. Não quero dizer com isto que não haja um meio termo entre outras personagens, mas este tipo de personalidade torna a maior parte dos intervenientes de cada conto em pessoas previsíveis e bidimensionais, sem nada com que nos surpreender. Neste caso, cada uma das crianças apresentadas, tirando Bobby e Morgana, são do mais malévolo que pode haver.

Juntem mais este e temos um culto satânico.
Bobby vai ter com Liam Wright, que aparentemente foi quem fez a patifaria, e os dois começam a andar à pancada. As professoras vão separá-los, e como não acreditam na história de Bobby, decidem colocá-lo de castigo, depois lhe chamarem nomes como "malcriado, porco, mentiroso e desavergonhado". Coisas perfeitamente normais para se dizerem a uma criança de 7 anos, já sabem como é. Além disso, como raio não acreditaram que o sumo tinha urina? O rapaz não lhes mostrou a garrafa? Ou será que ele bebeu o conteúdo todo até se ter apercebido que era urina? Ugh...
Como castigo, o rapaz fica afastado do grupo e Morgana fica a comer sozinha. Bobby preocupa-se com a irmã, mas como as professoras são do mais cruel e incompetente que pode haver, não o deixam ver como está Morgana. Será que essas senhoras se lembram que a menina tem 4 anos?
Acontece que Morgana desaparece.

"Quando Bobby se voltou para localizar a sua irmã, esta tinha desaparecido.
- Morgana? Morgana?!
- Cala-te, pirralho!
- Miss Clarkson, a minha irmã desapareceu!
- Cala-te, não sejas mentiroso!
- Miss Clarkson, juro-lhe, pela minha saúde, que a minha irmã não está ali.
- Então é porque está a brincar, palerma!"

Valham-me os céus! Haverá professores mais cruéis que estas gajas? Primeiro chamam nomes a um rapaz de 7 anos, colocam-no de castigo e depois ignoram a menina de 4 anos que fica sozinha a comer. Estão a ver o que quis dizer há pouco com o facto de personagens más não terem quaisquer limites morais? Esta gente faz a professora de Matilda parecer uma educadora de infância.

E isso é dizer muito.
"Bobby aproveitou um momento em que as professoras estavam distraídas, na conversa, e escoou-se."

Hã, escoou-se? Mas literalmente. O rapaz espremeu-se por algum lugar imaginário para fugir às professoras? Bem, este termo foi completamente mal empregue e deixa uma ideia completamente errada sobre o que o rapaz realmente fez. Que aconteceu com o verbo "escapulir"?
Bem, Bobby lá vai andando por onde quer que tenha andado (pelos vistos, o Kevin não se digna a dizer por onde o miúdo andou; para quê, descrições não são com este tipo), chama a irmã e acaba por, por um golpe de sorte (vulgo, irrealismo), encontrá-la a dirigir-se a uma estranha loja no fundo de uma estreita rua. O rapaz decide então segui-la para a trazer de volta.

"A loja está deserta.
Não há ninguém atrás do balcão. As luzes estão apagadas. Os milhares de brinquedos estão cuidadosamente arrumados em extensas e labirinticas secções constituídas por infinitas prateleiras.
- Wow...! - Exclamou Bobby, espantado."

Aqui está mais uma idiossincrasia literária de Kevin Palha. À semelhança de Zuzarte, embora ainda mais notória, em vez de narrar toda a história no tempo passado, prefere alternar entre o passado e o presente, criando ali uma salgalhada de confusão que deixa o leitor sem saber onde se situar. Caro, Kevin, ou escreves no presente ou no passado. Isto não é à vontade do freguês.
Bobby lá consegue reencontrar-se com a irmã, bem mais facilmente do que esperávamos, e eis que se depara com uma pirâmide de imensas bonecas. Morgana encontra-se sentada com uma grande boneca ao seu lado, chamada Dolly. Bobby não gosta do aspecto da boneca e afasta-a da irmã antes de pegar na mão de Morgana e fugir com ela por ali. Só que a menina recusa-se a ir com o irmão e arranja forma de lhe escapar. Bobby vai atrás dela, mas é então que se depara com Liam Wright e as outras crianças referidas acima.

" - Tu e eu... temos umas continhas para ajustar. - Disse Liam, com um sorriso malicioso.
Justin agarrou Bobby e agarrou-o pelos cabelos (ou seja, agarrou-o depois de já o ter agarrado). Liam atirou-lhe um murro ao nariz, um pontapé nas canelas, e uma cotovelada no diafragma.
- Bobby!- Berrou Morgana. - Não! Larguem-no!
Cherry e Veronica aproximaram-se dela e cada uma lhe depositou um par de estalos.
- Cala-te, cabra! Senão és a próxima. - Disse Verónica.
- Sim. - Reforçou Cherry. - Se voltas a abrir a matraca, parto-te os dentes."


Estas crianças são completamente sádicas! É impossível que crianças com menos de 10 anos tenham tanto este tipo de atitude como este tipo de discurso. Tudo bem se elas quiserem ser cruéis, mas temos ali UMA MENINA DE 4 ANOS, POR AMOR DA SANTA! Vamos tentar ser mais realistas, ok? E por que raio iriam as quatro crianças seguir Bobby e Morgana para a loja? E quão mais incompetentes serão as professoras para não notar o desaparecimento de seis crianças? Onde está a lógica nesta bodega toda, alguém me explica?
Acontece que Morgana pede ajuda à boneca Dolly.

"Dolly piscou os olhos e, com algum custo, levantou-se. Sacudiu o seu vestido branco às bolinhas vermelhas, e inclinou a cabeça para a esquerda e para a direita. Rodou os seus olhos plastificados para um ursinho de peluche que se encontrava na prateleira atrás de Liam. Os olhos de Dolly ficaram vermelhos de fúria. O ursinho de peluche esboçou um sorriso diabólico e, das suas mãos, nasceram e cresceram garras afiadas."


Então mas isto vira uma espécie de "Demonic Toys" à Portuguesa? Daqui a nada temos a Baby Oopsy Daisy a juntar-se à festa.

Fraldas vendidas em separado.
A maior parte das crianças fica aterrorizada com a metamorfose do ursinho, mas Liam, como a criança irrealista e estúpida que é, nem dá conta do que se está a passar e continua a espancar Bobby.

"O seu amigo apontou para o ursinho. Mal Liam se virou para ver o que se passava, o ursinho saltou-lhe para a cara.
(...)
O ursinho abriu a sua boca e mostrou dentes afiados como os de um lobisomem. Mordeu a cara de Liam e arrancou-lhe a bochecha direita."


É UMA CRIANÇA, PÁ! UMA CRIANÇA DE 9 ANOS? Tudo bem que merece uns sopapos bem dados para ver se aprendia a não mijar para o sumo dos outros, mas... Porra, Kevin, não podias ter escrito esta história com adolescentes? O que se passa nessa tua cabeça perturbada?
Acreditem, caros leitores, ainda não viram nada.
Como se não bastasse um dos Care Bears devorar a bochecha do puto, um pequeno exército de soldadinhos (provavelmente os mesmos de "Toy Story") em miniatura aparece e disparam uma saraivada de tiros contra Liam. Com balas de chumbo! Onde é que já se viu isto? Como é que eles foram capazes de produzir balas de tal calibre? Foram criados assim? Iam ser vendidos ao público dessa forma? Bem, não é de admirar que a loja não tenha clientela.
As outras crianças começam a fugir, mas Cherry fica para trás. Nesse momento, começa a tocar uma música e uma voz brincalhona apresenta a loja como sendo de Mr. Kinderspiellmann, onde todos os brinquedos ganham vida (e aparentemente atacam os clientes). Bobby e Morgana conseguem escapar e refugiam-se no interior da pirâmide que tinham visto anteriormente, salvos pela boneca Dolly.
As outras três crianças continuam a fugir, desta vez de um lobo de peluche que surgiu do nada, até que algo agarra em Cherry e a arrasta pelo corredor. Três bonecos, Dolly, Teddy Pai e Teddy Filho (eu sei, parece estúpido), deitam-na numa marquesa e prendem-na bem. Um homem, muito parecido com um manequim "que se mexia como uma pessoa verdadeira" surgiu com um tabuleiro, apresentando-se como sendo Karl. Cherry pergunta-lhe por que é que a cara de Karl não mexe, ao que ele responde que apenas está a usar uma máscara e pede a Dolly que lha tire. Cherry vê então que o verdadeiro rosto de Karl está completamente desfigurado, resultado de um ataque que sofreu de quatro jovens há muito tempo.
Agora, eu até podia citar o que é que Karl e Dolly fazem a Cherry, mas acreditem em mim quando digo que é do mais doentio que alguma vez esteve presente num livro. Basicamente, injectam-lhe um líquido que lhe paralisa todos os músculos do corpo (o que é inútil, visto que eles já a tinham prendido completamente) e começam a mutilá-la aos poucos, com a pobre criança de 6 anos a sentir tudo. Felizmente, a fraca capacidade descritiva de Kevin não nos deixa pensar na cena com grande detalhe, mas mesmo assim não deixa de ser mórbido e doentio.
Enquanto isso, Justin e Veronica continuam a fugir do lobo, até que o rapaz atira um Cubo de Rubik ao focinho do peluche, o que o fez ganir de dor... Espera aí, se nesta loja os brinquedos ganham vida, então por que é que o cubo também não os atacou? Por que é que todos os outros brinquedos não os atacaram, já que Karl afirma várias vezes que os brinquedos ganham vida? Ou só os que interessa é que têm destaque? É que nem ficaria assim tão mau eles a percorrerem os corredores da loja de brinquedos e serem atacados por um exército de Cubos de Rubik.

Tentem lá mandar algo para o focinho destas belezas.
Sabem que mais? Vou ficar por aqui. Estes contos são demasiado longos e se eu ficar aqui a criticar cada problema nunca mais saio daqui. A crítica a este conto continuará no próximo post, com as coisas a piorar ainda mais. Oh se pioram...

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